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OLHA A COBRA! CASO NAJA REVELA BRECHAS PARA TRÁFICO DE ANIMAIS SEGUIR FIRME NO BRASIL!

Dois anos e 10 meses após picada de naja em estudante do Distrito Federal, família é condenada por comércio ilegal de animais, mas não vai presa, apesar de mais de 20 cobras encontradas em casa.

11/06/23

Por: Robis Nassaro

Naja, cobra africana. Divulgação: Instituto Butantã

O caso da Naja de Brasília, como ficou conhecido, teve a sentença determinada em maio de 2023, quase três anos após o episódio. Os quatro réus foram condenados a diferentes penas, mas ao final, todas foram substituídas por prestação de serviços à comunidade. As condenações são por crime ambiental, fraude processual e corrupção de menores. O episódio até aqui mostra como nossa lei não protege - ou protege pouco - os animais silvestres.


Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkul foi picado em casa por uma naja no dia 7 de julho de 2020. A cobra é uma das mais venenosas do mundo. É uma serpente exótica, africana, da espécie Naja Kaouthia (naja-de-monóculo). Levado a um hospital particular do Distrito Federal, o jovem com então 23 anos entrou em coma, passou 6 dias na UTI, e precisou de soro antiofídico específico. O Instituto Butantã, único no país que o possuía apenas para fins de pesquisa fez o envio.


O caso levantou a questão: como um estudante de medicina veterinária possuía uma naja aqui no Brasil?


Mesmo com o jovem no hospital, a família se mexeu com receio do processo criminal. Para isso, contaram com a ajuda de um amigo. Os três, então, começaram a se desfazer das 22 outras cobras que eram mantidas na casa do estudante. A naja foi levada de carro pelo amigo em uma caixa plástica até um shopping em Brasília onde foi deixada em um lugar combinado com a Polícia Ambiental. O animal foi recolhido pouco tempo depois, em um procedimento considerado de altíssimo risco, especialmente para as pessoas que poderiam ter passado pelo local, sem saber que ali, naquela caixa, estava uma serpente das mais venenosas do mundo.


Um inquérito policial foi instaurado para apurar o caso. E o que vem a seguir é de espantar: a investigação demonstrou que havia um esquema na família para sustentar o comércio ilegal.

Apenas uma das 23 cobras era regularizada, sendo todas as outras sem procedência conhecida. Ali se deu o início da identificação de tráfico de animais, inclusive internacional, por causa dos animais exóticos que foram localizados em posse do estudante.


O padrasto do estudante, um policial militar de alta patente, da ativa, sabia, mas era omisso à manutenção dos animais na própria residência. Pelo, inquérito, ele não contribuía ativamente com o crime, porém, nada fazia para impedir que continuasse acontecendo.


A mãe do estudante cuidava da alimentação e dos ovos dos animais quando ele estava fora.

E jovem era quem adquiria novos animais, cuidava da reprodução deles e os comercializava para interessados.


Da data da picada da naja, 7 de julho de 2020, até a data da sentença de 1º grau, expedida pela 1ª Vara Criminal do Gama – DF, em 05 de maio de 2023, transcorreram dois anos e 10 meses. Todos os envolvidos foram condenados.


O estudante foi  condenado em 14 meses de detenção por ter adquirido, mantido em cativeiro e comercializado animais silvestres, bem como por maus-tratos, já que se comprovou, por meio de laudo pericial, que a forma com que os animais eram mantidos não era adequada, pois nem ao menos conseguiam se esticar complemente, já que eram mantidos em pequenas caixas de plástico, o tempo todo.


A mãe do estudante foi condenada em 1 ano e 2 meses de reclusão, bem como 16 meses e 10 dias de detenção por ter adquirido, mantido em cativeiro e comercializado animais silvestres e, ainda, por maus-tratos aos animais. Nessa pena também está incluído o crime de fraude processual, uma vez que ela tentou esconder os animais e desconfigurar a cena do crime para induzir autoridades em erro e, ainda, de corrupção de menores, eis que os crimes foram praticados perante seu filho menor, irmão do estudante.


O padrasto do estudante foi condenado em 1 ano e 2 meses de reclusão por fraude processual e corrupção de menores.


O amigo do estudante foi condenado em 1 ano e 2 meses de reclusão por fraude processual e corrupção de menores.


Todos eles tiveram, ao final, suas penas substituídas por prestação de serviços à comunidade. 


E aí pergunta-se: essas penas decorreram também da manutenção da naja na casa do estudante? Qual foi a consequência de existir uma naja na casa do estudante? Pois é, tanto a naja como as demais cobras exóticas que eram do estudante não geraram qualquer responsabilização criminal a ele, pois o Juiz que julgou o caso entendeu que essa situação é atípica, ou seja, a norma penal não prevê esse fato como criminoso e, portanto, não há qualquer pena a ser imputada ao estudante. Incrível não? Se a naja não tivesse picado o estudante e, por consequência, a polícia não tivesse localizado outros animais silvestres, nada teria ocorrido aos condenados, sob o ponto de vista penal e, assim, a vida segue permitindo que, com situações atípicas, animais exóticos sejam traficados no Brasil, sem qualquer responsabilização dos traficantes.


Até há o artigo 31 da Lei de Crimes Ambientais que pune com pena de 3 meses a 1 ano de detenção quem introduz animais exóticos no país sem parecer oficial favorável e licença expedida pela autoridade competente, porém, esse crime apenas se concretiza (se consuma no linguajar penal) no momento da introdução. No caso, como a naja e os demais animais exóticos estavam sendo mantidos em uma residência e não foram percebidos no momento da introdução no Brasil, não há como punir o estudante por esse crime, até porque não se tem certeza de que ele próprio tenha trazido os animais ao Brasil, sendo, portanto, atípica essa conduta.


Frise-se que essa situação é a que mais ocorre no caso de tráfico internacional, pois, raríssimos são os casos em que o traficante é flagrado atravessando as fronteiras ou em aeroportos com animais silvestres. Quando os animais são percebidos, já estão, na maioria, como pet, nas residências de seus possuidores.


Ou seja, nesse momento de festa junina, olha a cobra e não é mentira! E parabéns aos nossos legisladores que até agora, desde 1998, não adequaram a Lei de Crimes Ambientais para descrever essa conduta, manter animais exóticos sem autorização do órgãos ambiental competente como criminosa.


A naja deste caso está sob os cuidados no Instituto Butantã, em São Paulo.

Doutor em Ciências Policiais e pesquisador da Teoria do Link.

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